Paulista com açúcar em 26.dezembro
noite charmosa
fumaça cautelosa
chuva ininterrupta inebriante
um pouco de idéia saltitante
café perfumado, por favor
agora quero sonhar...
31.12.04
30.12.04
de 20.novembro.2004
dores de saudade
de afago com mão de lençol
ligação repentina
átomos entrelaçados
quase um só
dura
pura
cura
a paciência vem quando menos precisamos dela
se dores de saudade
espera eterna
maldito Pessoa
dura tanto que o infinito não finda
odeio talvez
quem sabe também
inferno de Dante para quem crê
que 'sempre' é uma palavra bela
estamos aqui hoje
para estarmos amanhã
em qualquer outro lugar
sinapse da vida
agora só falta internalizar...
dores de saudade
de afago com mão de lençol
ligação repentina
átomos entrelaçados
quase um só
dura
pura
cura
a paciência vem quando menos precisamos dela
se dores de saudade
espera eterna
maldito Pessoa
dura tanto que o infinito não finda
odeio talvez
quem sabe também
inferno de Dante para quem crê
que 'sempre' é uma palavra bela
estamos aqui hoje
para estarmos amanhã
em qualquer outro lugar
sinapse da vida
agora só falta internalizar...
28.12.04
27.12.04
26.dezembro, pós-natal chuvoso na Paulista, eu e uma companhia literária na mochila.
eu e eu mesma
Nunca estava só. Os pensamentos espetavam as pálpebras. De olhos abertos, pneus sobre asfalto molhado eram devaneios. Daqueles de tardes garoentas, cinzas, fumaça. Motivo para pensar sobre o telefone que nunca tocava. Mas não voz... queria olhos, pensamentos.
Cápsula de cidade de muitos momentos solitários. Não era para ser assim. Acostumou-se com barulhos e luzes e cores e dureza que bombeavam uma coisa que não sabia explicar. Argumentos eram transliterados por nuvens às oito da noite que escondem a púrpura cor da cidade que sangra. Todos sangramos... calados.
Complemento para a solidão, da urbe dura e crua, que não deixa olhos derramarem gritos. Quando em sol, claras nuvens e verde, então gritos e risos e farfalhar de grama seca. Era fora da cápsula opressora que as pessoas descobriam o que era felicidade. Não porque antes elas não sabiam, mas fora da fumaça elas enxergavam melhor.
Ninguém precisa de um motivo e, mesmo assim, já o tem. Há aqueles, como ela, jeans surrado e cigarros, atravessando sozinha a Paulista, que não agüentam ver a vida passar. Estão sempre atrás de um telefone que não toca, um sorriso indissolúvel no tempo. Alguns não conseguiam perceber quando era hora de parar. Ela sabia, mas não queria.
Todos atrás de um conforto que esguiche azul dos olhos, tenha veludo nas mãos e nos faça sangrar, sentir, calar. Enquanto o conforto não chega, a cidade, fria e dura, continua garoando aqui dentro. Talvez para umedecer corações perdidos que procuram... procuram...
eu e eu mesma
Nunca estava só. Os pensamentos espetavam as pálpebras. De olhos abertos, pneus sobre asfalto molhado eram devaneios. Daqueles de tardes garoentas, cinzas, fumaça. Motivo para pensar sobre o telefone que nunca tocava. Mas não voz... queria olhos, pensamentos.
Cápsula de cidade de muitos momentos solitários. Não era para ser assim. Acostumou-se com barulhos e luzes e cores e dureza que bombeavam uma coisa que não sabia explicar. Argumentos eram transliterados por nuvens às oito da noite que escondem a púrpura cor da cidade que sangra. Todos sangramos... calados.
Complemento para a solidão, da urbe dura e crua, que não deixa olhos derramarem gritos. Quando em sol, claras nuvens e verde, então gritos e risos e farfalhar de grama seca. Era fora da cápsula opressora que as pessoas descobriam o que era felicidade. Não porque antes elas não sabiam, mas fora da fumaça elas enxergavam melhor.
Ninguém precisa de um motivo e, mesmo assim, já o tem. Há aqueles, como ela, jeans surrado e cigarros, atravessando sozinha a Paulista, que não agüentam ver a vida passar. Estão sempre atrás de um telefone que não toca, um sorriso indissolúvel no tempo. Alguns não conseguiam perceber quando era hora de parar. Ela sabia, mas não queria.
Todos atrás de um conforto que esguiche azul dos olhos, tenha veludo nas mãos e nos faça sangrar, sentir, calar. Enquanto o conforto não chega, a cidade, fria e dura, continua garoando aqui dentro. Talvez para umedecer corações perdidos que procuram... procuram...
26.12.04
17.12.04
14.12.04
além do post logo abaixo, música do Cake para traduzir sentimentos complexos...
Italian Leather Sofa
"she doesn't care
whether or not he's an island
she doesn't care,
just as long as his ship's coming in
[she doesn't care
whether or not he's a good man
she doesn't care,
just as long as she still has her friends]
if they laugh, they make money
he's got a gold watch
she's got a silk dress
and healthy breasts
that bounce on his italian leather sofa"
Italian Leather Sofa
"she doesn't care
whether or not he's an island
she doesn't care,
just as long as his ship's coming in
[she doesn't care
whether or not he's a good man
she doesn't care,
just as long as she still has her friends]
if they laugh, they make money
he's got a gold watch
she's got a silk dress
and healthy breasts
that bounce on his italian leather sofa"
7.12.04
29.11.04
Com a correria aqui na Folha não está sobrando tempo para respirar [o trainee acaba essa semana].
Vou de Leminski hoje. Quer dizer, fui com ele sexta e acho que coube à situação. A vida não pára... Estou bem :)
alguém parado
é sempre suspeito
de trazer como eu trago
um susto preso no peito,
um prazo, um prazer, um estrago,
um de qualquer jeito,
sujeito a ser tragado
pelo primeiro que passa
parar dá azar
Vou de Leminski hoje. Quer dizer, fui com ele sexta e acho que coube à situação. A vida não pára... Estou bem :)
alguém parado
é sempre suspeito
de trazer como eu trago
um susto preso no peito,
um prazo, um prazer, um estrago,
um de qualquer jeito,
sujeito a ser tragado
pelo primeiro que passa
parar dá azar
26.11.04
vontade de gostar
supetão do sol saindo por trás de nuvem antes que se chegue à sombra é o mesmo que olhar que lhe pega no meio do caminho enquanto você tenta se esconder para não ter que ficar vermelho por pressão de sangue que sobe desde o pé porque vontade de gostar...
hoje, ins[ex]piração leminskiana:
"a vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem"
supetão do sol saindo por trás de nuvem antes que se chegue à sombra é o mesmo que olhar que lhe pega no meio do caminho enquanto você tenta se esconder para não ter que ficar vermelho por pressão de sangue que sobe desde o pé porque vontade de gostar...
hoje, ins[ex]piração leminskiana:
"a vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem"
24.11.04
Um dos meus poetas preferidos, Fernando Pessoa, em um de seus três heterônimos, Álvaro de Campos (prefiro Alberto Caeiro). Tudo a ver com o caderno do treinamento na Folha de S.Paulo.
Esses três meses voaram!! Nunca passei tanto tempo longe de casa...
Insônia
Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.
Espera-me uma insônia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.
Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!
Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!
Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.
Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.
Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!
Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...
Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!
Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.
Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!
Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.
Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exatamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exatamente. Mas não durmo.
É isso o que sinto há umas três semanas... Viva Pessoa!
Esses três meses voaram!! Nunca passei tanto tempo longe de casa...
Insônia
Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.
Espera-me uma insônia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.
Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!
Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!
Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.
Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.
Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!
Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...
Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!
Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.
Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!
Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.
Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exatamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exatamente. Mas não durmo.
É isso o que sinto há umas três semanas... Viva Pessoa!
19.11.04
Terence Blanchard: trompetista norte-americano, inspiração para o poemeto abaixo.
Esse cara é superfera, tem 42 anos e está no jazz há mais de 20. Levou o Grammy 2002 de Artista, Trompetista e Álbum do Ano por Let’s Get Lost (8º disco). Desde o final dos anos 80 vem fazendo trilhas sonoras para filmes, como para "25th hour" (2002), de Spike Lee, lançado no Brasil como "A Última Noite" (com Edward Norton). O 10º e mais novo disco dele, "Bounce", foi lançado pela Blue Note (www.bluenote.com) no final do ano passado. Vale o saque!
Agora é só apagar as luzes, botar mais uma pedra de gelo no copo e aumentar o volume.
vento que afaga os cabelos
farfalha as ventas
desce correndo
tremelica as pernas
rubor de curto-circuito
como timidez no 1º encontro
inspira, o tremor some
expira e ele regozija
sinestesia em estado puro
distensão do mundo
... é jazz
Esse cara é superfera, tem 42 anos e está no jazz há mais de 20. Levou o Grammy 2002 de Artista, Trompetista e Álbum do Ano por Let’s Get Lost (8º disco). Desde o final dos anos 80 vem fazendo trilhas sonoras para filmes, como para "25th hour" (2002), de Spike Lee, lançado no Brasil como "A Última Noite" (com Edward Norton). O 10º e mais novo disco dele, "Bounce", foi lançado pela Blue Note (www.bluenote.com) no final do ano passado. Vale o saque!
Agora é só apagar as luzes, botar mais uma pedra de gelo no copo e aumentar o volume.
vento que afaga os cabelos
farfalha as ventas
desce correndo
tremelica as pernas
rubor de curto-circuito
como timidez no 1º encontro
inspira, o tremor some
expira e ele regozija
sinestesia em estado puro
distensão do mundo
... é jazz
18.11.04
17.11.04
16.11.04
De Horácio (65-8 a.C.):
"Carpe diem, nec minimum credula postero"
(aproveite o dia, não confie no amanhã)
Ontem comecei a ler "O Lugar do Escritor", de Eder Chiodetto (ex-editor de fotografia da Folha de S.Paulo). Refresco de fotografia na minha mente, para me inspirar e me criticar. O trecho acima foi citado no livro pela escritora Patrícia Melo.
... adotei tanto o discurso do carpe diem que às vezes acho que o mundo, para combinar comigo, deveria ser assim também. Se sozinha, acho que talvez esteja precisando apenas de mim, curtir as coisas sozinhas, refletir, fazer falta, coisas assim... meio desanimada com a vida hoje de manhã, é verdade.
"Carpe diem, nec minimum credula postero"
(aproveite o dia, não confie no amanhã)
Ontem comecei a ler "O Lugar do Escritor", de Eder Chiodetto (ex-editor de fotografia da Folha de S.Paulo). Refresco de fotografia na minha mente, para me inspirar e me criticar. O trecho acima foi citado no livro pela escritora Patrícia Melo.
... adotei tanto o discurso do carpe diem que às vezes acho que o mundo, para combinar comigo, deveria ser assim também. Se sozinha, acho que talvez esteja precisando apenas de mim, curtir as coisas sozinhas, refletir, fazer falta, coisas assim... meio desanimada com a vida hoje de manhã, é verdade.
10.11.04
4.11.04
um rabisco antigo do meu caderninho, de agosto. estava voltando de Sampa a Salvador (para depois vir para cá morar).a repetição é meio proposital porque estou sentindo a mesma coisa hoje... e pensando na mesma fucking figura... saco!
inferno astral
encontro casual
se há algum mal
deixe aqui
... e se vá
inferno astral
encontro casual
se há algum mal
deixe aqui
... e se vá
3.11.04
e um de hoje, às 8 da manhã, com a cabeça doendo da noite alcoólica anterior...
o escuro de dentro da gente fica irreconhecível quando estamos perdendo. um pouco mais de gelo no meu co(r)po e eu afundo. quando iscar, cuidado com as bordas frágeis e inacabadas. nem por dentro está completo, mudamos todos os dias.
se tenho um medo, é de cair durante o vôo. porque de voar eu até gosto e quero e zelo e prezo... borrifa um pouco de sonho aqui no meu ouvido que agora quero dormir. talvez pesadelo se o escuro de dentro de mim insistir em ser reconhecido. então esteja macio ao meu lado quando eu abrir os olhos e respirar azul.
o escuro de dentro da gente fica irreconhecível quando estamos perdendo. um pouco mais de gelo no meu co(r)po e eu afundo. quando iscar, cuidado com as bordas frágeis e inacabadas. nem por dentro está completo, mudamos todos os dias.
se tenho um medo, é de cair durante o vôo. porque de voar eu até gosto e quero e zelo e prezo... borrifa um pouco de sonho aqui no meu ouvido que agora quero dormir. talvez pesadelo se o escuro de dentro de mim insistir em ser reconhecido. então esteja macio ao meu lado quando eu abrir os olhos e respirar azul.
esse aqui é a continuação do segundo abaixo. escrevi umas duas horas depois do primeiro. tinha acabado de brigar com uma figura e quebrado um copo. baforadas do sofá no meio da escuridão, com a sombra no teto das minhas fotos coladas no vidro da varanda... para variar, Ben Harper e aquele sofrimento apaixonado que só ele tem.
"meia noite e pouco"
cacos de mercúrio
empurra e junta
e liga e cola
um e muitos
se vermelho ou prata
ponto de vista
quebra, cata, solda
está novo
só se vontade
ou se saudade
tempo eu não pergunto porquê
dissolúvel constante
entorpecer no cinza
e boa noite agora
"meia noite e pouco"
cacos de mercúrio
empurra e junta
e liga e cola
um e muitos
se vermelho ou prata
ponto de vista
quebra, cata, solda
está novo
só se vontade
ou se saudade
tempo eu não pergunto porquê
dissolúvel constante
entorpecer no cinza
e boa noite agora
estava dando uma olhada no meu fotolog e vi um poemeto de que gosto muito... de junho desse ano. estava toda apaixonadinha nessa época, haha, mas a vida é mesmo assim. como diria o fofo do john mcrea, do cake, citando nancy sinatra: "if you really love me say yes. but if you don't, confess. and please don't tell me perhaps perhaps perhaps"...
saudade é como porta
que quando torta
não abre nem fecha
nem deixa
sopro passar
o remédio é aquela
que com jeito e coragem
empurra de um lado e abre
e aí já não é mais saudade
é vontade de gostar...
saudade é como porta
que quando torta
não abre nem fecha
nem deixa
sopro passar
o remédio é aquela
que com jeito e coragem
empurra de um lado e abre
e aí já não é mais saudade
é vontade de gostar...
voltando à ativa desse negócio aqui. ando tão inspirada em Sampa que dia ou outro escrevo algumas coisas, rabiscos pensando em alguém ali, em mim aqui, em alguma coisa no céu...
este aí foi de 15 de outubro, olhando para o infinito cinza que é o céu de São Paulo à noite. é incrível como a luminosidade da urbe se reflete nas partículas de poeira e névoa, tornando a noite muito clara... a vista da minha varanda é bonita.
"22h e pouco"
cápsula branca
noite e quase vôo
toque desperta
REM acordado se despedaça
se é para pular
que seja macio
e quente e úmido
quando voltar de lá
então frio e saudade
para lembrar sem voltar
e esquecer sem perder
...
ontem tive uma conversa maravilhosa com minha guru Iansã sobre meu projeto da faculdade. tudo blue, Ian é uma máquina de idéias. lovia!
este aí foi de 15 de outubro, olhando para o infinito cinza que é o céu de São Paulo à noite. é incrível como a luminosidade da urbe se reflete nas partículas de poeira e névoa, tornando a noite muito clara... a vista da minha varanda é bonita.
"22h e pouco"
cápsula branca
noite e quase vôo
toque desperta
REM acordado se despedaça
se é para pular
que seja macio
e quente e úmido
quando voltar de lá
então frio e saudade
para lembrar sem voltar
e esquecer sem perder
...
ontem tive uma conversa maravilhosa com minha guru Iansã sobre meu projeto da faculdade. tudo blue, Ian é uma máquina de idéias. lovia!
18.6.04
conto
Se os átomos falassem...
Cauda fluorescente cor de chuva quando está braba. Forte e respingante. Mas cor de lua refletida no brilho de água à noite. A extremidade da cauda tinha um gancho que ia ao olho e, discreto, lançava um sugo hipnótico por dentro da pupila reluzente. Pensamentos condescendentes com amebas ululantes. Elas dançavam como se abrissem diante de si uma cortina de veludo pesada e vermelha. E se enganchavam uma nas outras pelos tentáculos penetrantes, capazes de arrastar sensações de um lado a outro da cabeça delirante. Eram sinapses luminosas, como um cérebro feito de fótons. Grandes neurônios sob coqueiros adormecidos que transfiguravam a energia elétrica... tudo era feito de membrana plasmática e olhos e íris. As amebas sabiam que tinham platéia. Mas se outro qualquer chegava à janela, retraíam-se como luz comandada por dedo de gente no interruptor. Sentidos envolvidos em cápsula psicotrópica e elas saltitavam. Eletrificadas. Podia-se fechar os olhos e elas continuariam dançando, em sua louca combinação neurótica. As amebas ululantes nasciam na psique. E só mentes embebidas em gotas podiam senti-las. Não vê-las.
Se os átomos falassem...
Cauda fluorescente cor de chuva quando está braba. Forte e respingante. Mas cor de lua refletida no brilho de água à noite. A extremidade da cauda tinha um gancho que ia ao olho e, discreto, lançava um sugo hipnótico por dentro da pupila reluzente. Pensamentos condescendentes com amebas ululantes. Elas dançavam como se abrissem diante de si uma cortina de veludo pesada e vermelha. E se enganchavam uma nas outras pelos tentáculos penetrantes, capazes de arrastar sensações de um lado a outro da cabeça delirante. Eram sinapses luminosas, como um cérebro feito de fótons. Grandes neurônios sob coqueiros adormecidos que transfiguravam a energia elétrica... tudo era feito de membrana plasmática e olhos e íris. As amebas sabiam que tinham platéia. Mas se outro qualquer chegava à janela, retraíam-se como luz comandada por dedo de gente no interruptor. Sentidos envolvidos em cápsula psicotrópica e elas saltitavam. Eletrificadas. Podia-se fechar os olhos e elas continuariam dançando, em sua louca combinação neurótica. As amebas ululantes nasciam na psique. E só mentes embebidas em gotas podiam senti-las. Não vê-las.
conto
Se isso e não aquilo
Era cheia de detalhes aquela lista. Papel rosa, dobrado metodicamente em oito partes, caligrafia caprichada. Jantar com Dora, mousse de maracujá, Terezinha [empadão], bermuda para Pedrinho. Lembretes do dia-a-dia. Mas não era alguém que no ônibus lembra de alguma coisa e pega um papel qualquer na bolsa para não esquecer as idéias.
Um sujeito no ônibus, que parecia sofrer com aqueles 10 graus de outono, notava que ela contava nos dedos e falava consigo mesma tudo que estava na lista. Papel rosa, linhas azuis, do armarinho Tráfico. Amassado para caber naquele bolsinho da calça jeans onde só entra um dedo.
Tudo a preocupava. Porque tudo era grande demais em sua vida. Alguém que deve ocupar a tarde se arrumando, escolhe uma entre quatro blusas e fica se olhando pela janela do ônibus, para ver se acertou na escolha. Sai de casa para comprar a revista na esquina. É que hoje é terça e sai a revista de fofocas da novela. Talvez seja isso, pois ela anota com primor o nome [com um asterisco ao lado porque aquilo ela realmente não podia esquecer].
Talvez ela nem volte para casa com tudo que anotou. Sorte se ela tiver a memória da época de escola, quando escrevia a pesca da prova e não usava. Porque decorava tudo, é bem verdade [pretexto para praticar a caligrafia e usar a sua montanha de bloquinhos de papel que, dobrados oito vezes, cabem no bolsinho da calça].
Se ela não lembrar, talvez Bê fique brava por não receber sua bijouteria. Porque o papel acabou de cair na calçada do ponto de ônibus e ela segue apressada pela avenida. Ansiosa ao desensacar a revista que acabou de comprar na banca da esquina. Com os dez reais que também estavam no pequeno e apertado bolsinho da calça.
Se isso e não aquilo
Era cheia de detalhes aquela lista. Papel rosa, dobrado metodicamente em oito partes, caligrafia caprichada. Jantar com Dora, mousse de maracujá, Terezinha [empadão], bermuda para Pedrinho. Lembretes do dia-a-dia. Mas não era alguém que no ônibus lembra de alguma coisa e pega um papel qualquer na bolsa para não esquecer as idéias.
Um sujeito no ônibus, que parecia sofrer com aqueles 10 graus de outono, notava que ela contava nos dedos e falava consigo mesma tudo que estava na lista. Papel rosa, linhas azuis, do armarinho Tráfico. Amassado para caber naquele bolsinho da calça jeans onde só entra um dedo.
Tudo a preocupava. Porque tudo era grande demais em sua vida. Alguém que deve ocupar a tarde se arrumando, escolhe uma entre quatro blusas e fica se olhando pela janela do ônibus, para ver se acertou na escolha. Sai de casa para comprar a revista na esquina. É que hoje é terça e sai a revista de fofocas da novela. Talvez seja isso, pois ela anota com primor o nome [com um asterisco ao lado porque aquilo ela realmente não podia esquecer].
Talvez ela nem volte para casa com tudo que anotou. Sorte se ela tiver a memória da época de escola, quando escrevia a pesca da prova e não usava. Porque decorava tudo, é bem verdade [pretexto para praticar a caligrafia e usar a sua montanha de bloquinhos de papel que, dobrados oito vezes, cabem no bolsinho da calça].
Se ela não lembrar, talvez Bê fique brava por não receber sua bijouteria. Porque o papel acabou de cair na calçada do ponto de ônibus e ela segue apressada pela avenida. Ansiosa ao desensacar a revista que acabou de comprar na banca da esquina. Com os dez reais que também estavam no pequeno e apertado bolsinho da calça.
22.4.04
_conto
Não sabe aterrissar
Legião Urbana, Engenheiros do Hawaí, Paralamas do Sucesso. No colégio, rodinhas de violão idolatravam essas bandas, cantando em coro coisas do tipo "É preciso amaaaarrr...". Mesmo com toda vontade de estar ali participando, por causa dos amigos, Sofia tinha a cabeça no Led Zeppelin e Black Sabbath.
Para não dizer que odiava o rock nacional, toda a energia que usava para em casa cantar "Whole Lotta Love" [que pede gritinhos histéricos fanáticos], ela começou a despejar nos Raimundos. Rodolfo nem chegava aos pés de Robert Plant [da cintura para cima]. Muito menos daquele power black bala do Hendrix. Mas a pegada de rock sem escrúpulos dava de dez na cara de Renato Russo [Sofia simplesmente odiava o som dele. Só isso].
Como sabia que nunca veria na vida o Led ou Sabbath, transferia todo o tesão para os Raimundos, que volta e meia faziam show em sua cidade. Isso era mais plausível que suas investidas em percorrer as ruelas de Lençóis atrás de um Jimmi Page fazendo jam em um boteco qualquer [ela até que tentou, mas ele já havia se mudado há uns três anos].
Naquele final de ano, foram dois shows dos Raimundos na cidade. Um mês antes, quando soube do primeiro, Sofia já estava rouca e com sua mãe gritando pela casa porque não aguentava mais ouvir "foi num puteiro em João Pessoa...".
A vera: umas oito mil pessoas e ela agarrada à grade lá na frente, implorando para subir no ombro de um garoto [para tirar fotos na câmera dele]. O cara já estava cansado [apesar de Sofia ser bastante... er... esguia] e depois ainda teve que tirar aquela menina louca do meio de um bando de roqueiros que só sabiam dançar chutando.
Um mês depois. Outro show e desta vez não tinha grade. O palco era da altura de onde estava a platéia... com uma vala de dois metros de largura no meio. A galera ensandecida gritando e os caras já estavam se despedindo. Ninguém queria que eles arredassem os pés dali. Sofia chegava cada vez mais perto do palco, quase esmagada por gigantes [além de morrer de medo que alguém empurrasse-a na vala].
Tchau. Uma, duas, quase vinte pessoas pulando no palco. Por adrenalina, para explodir. Sei lá, para caçar a paletinha do Canisso. Sofia pensa uma vez e dá as costas... Era só para pegar impulso e ir junto. Nem saberia o que fazer se conseguisse atravessar a barreira. Mas o negócio formigava em suas pernas. Três segundos e ela cai agachada no palco. Mais uns dois segundos para o segurança dar-lhe uma cotovelada no olho e ela voar direto para a vala... desmaiada.
Abre os olhos [o esquerdo não abria]. Estava na enfermaria ao lado do palco. Dois amigos e tensão por um olho roxo que vinha acompanhado de uma bolsa de sangue. Respiração presa no ar. Sofia abre a boca: "eu quero é ver o ocoooooo...". E começa a rir. Mesmo sabendo que seu olho vai ficar daquele jeito pelos próximos dois meses.
Não sabe aterrissar
Legião Urbana, Engenheiros do Hawaí, Paralamas do Sucesso. No colégio, rodinhas de violão idolatravam essas bandas, cantando em coro coisas do tipo "É preciso amaaaarrr...". Mesmo com toda vontade de estar ali participando, por causa dos amigos, Sofia tinha a cabeça no Led Zeppelin e Black Sabbath.
Para não dizer que odiava o rock nacional, toda a energia que usava para em casa cantar "Whole Lotta Love" [que pede gritinhos histéricos fanáticos], ela começou a despejar nos Raimundos. Rodolfo nem chegava aos pés de Robert Plant [da cintura para cima]. Muito menos daquele power black bala do Hendrix. Mas a pegada de rock sem escrúpulos dava de dez na cara de Renato Russo [Sofia simplesmente odiava o som dele. Só isso].
Como sabia que nunca veria na vida o Led ou Sabbath, transferia todo o tesão para os Raimundos, que volta e meia faziam show em sua cidade. Isso era mais plausível que suas investidas em percorrer as ruelas de Lençóis atrás de um Jimmi Page fazendo jam em um boteco qualquer [ela até que tentou, mas ele já havia se mudado há uns três anos].
Naquele final de ano, foram dois shows dos Raimundos na cidade. Um mês antes, quando soube do primeiro, Sofia já estava rouca e com sua mãe gritando pela casa porque não aguentava mais ouvir "foi num puteiro em João Pessoa...".
A vera: umas oito mil pessoas e ela agarrada à grade lá na frente, implorando para subir no ombro de um garoto [para tirar fotos na câmera dele]. O cara já estava cansado [apesar de Sofia ser bastante... er... esguia] e depois ainda teve que tirar aquela menina louca do meio de um bando de roqueiros que só sabiam dançar chutando.
Um mês depois. Outro show e desta vez não tinha grade. O palco era da altura de onde estava a platéia... com uma vala de dois metros de largura no meio. A galera ensandecida gritando e os caras já estavam se despedindo. Ninguém queria que eles arredassem os pés dali. Sofia chegava cada vez mais perto do palco, quase esmagada por gigantes [além de morrer de medo que alguém empurrasse-a na vala].
Tchau. Uma, duas, quase vinte pessoas pulando no palco. Por adrenalina, para explodir. Sei lá, para caçar a paletinha do Canisso. Sofia pensa uma vez e dá as costas... Era só para pegar impulso e ir junto. Nem saberia o que fazer se conseguisse atravessar a barreira. Mas o negócio formigava em suas pernas. Três segundos e ela cai agachada no palco. Mais uns dois segundos para o segurança dar-lhe uma cotovelada no olho e ela voar direto para a vala... desmaiada.
Abre os olhos [o esquerdo não abria]. Estava na enfermaria ao lado do palco. Dois amigos e tensão por um olho roxo que vinha acompanhado de uma bolsa de sangue. Respiração presa no ar. Sofia abre a boca: "eu quero é ver o ocoooooo...". E começa a rir. Mesmo sabendo que seu olho vai ficar daquele jeito pelos próximos dois meses.
7.4.04
conto
Asfalto-bolinha-de-gude
Sofia tinha tantos sonhos, em que sobrevoava a cidade e conhecia os mais inóspitos bairros, que calçar patins nunca a arrebatou com alarde. Patins era sinônimo de "única coisa que você pode usar para ganhar adrenalina como seu irmãos naqueles skates". Frase de seu pai, que nunca achou que menina só podia brincar de boneca, mas não dava corda grande para moleca que gostava de ribanceira com papelão abaixo.
A verdade é que ela fingia que ouvia seu pai assoviando da janela, mandando-a voltar para casa porque não gostava da combinação ladeira + skate + Sofia. Fingia que ouvia para não olhar à janela alta no exato momento em que o chão implorava sua presença... quente e rolante sobre si. Nada que não fizesse Sofia ganhar patins no Natal e sempre convencer seus irmãos de que eles deviam se libertar da idéia fixa de que homem que é homem... não empresta skate para a irmã mais nova.
Depois que se mudou para um condomínio sem ladeiras, aos 9 anos, Sofia só voltou a subir em um shape quando tinha quase 20. Primeira experiência e "Sofia, vai descer descalça?". Ah, era um do tipo downhill, só para escorregar tobogã e dar risada. Mas a ladeira não tinha fim e o freio virou o pé esquerdo.
Dois meses depois, quando a carne lá embaixo ainda era rosa, ela topou campeonato na ladeira kamikaze da vizinhança. "Mantenha o shape equilibrado", "É melhor não ir". Sofia é teimosa como qualquer menina que acha que sutiã de lycra e bordadinho é coisa de bisavó.
Joelho dobrado, olhar fixo, saia para cima (é, ainda tem essa). O shape treme, o coração gela. A velocidade é tanta que, se ela desistir e pular fora, capota que nem aluno iniciante de judô no tatame. O último pensamento foi a lembrança por não estar com blusa de alcinha.
Descontrole no pé e ombro direto ao chão. Três roladas, rosto quente de tão vizinho ao asfalto. Ergue o tronco amassado, suspende a blusa rasgada. Ombro em chamas. Uns dois minutos e ela consegue soltar a respiração. Dobra o punho e "massa, não vou precisar engessar". Levanta o corpo do chão. Sofia solta um suspiro por estar bem. Com a saia destruída, mas sorriso no canto de boca: "Ainda bem que não rasguei meu Conga". Bota o skate debaixo do braço e segue. De novo, em direção ao topo da ladeira.
Asfalto-bolinha-de-gude
Sofia tinha tantos sonhos, em que sobrevoava a cidade e conhecia os mais inóspitos bairros, que calçar patins nunca a arrebatou com alarde. Patins era sinônimo de "única coisa que você pode usar para ganhar adrenalina como seu irmãos naqueles skates". Frase de seu pai, que nunca achou que menina só podia brincar de boneca, mas não dava corda grande para moleca que gostava de ribanceira com papelão abaixo.
A verdade é que ela fingia que ouvia seu pai assoviando da janela, mandando-a voltar para casa porque não gostava da combinação ladeira + skate + Sofia. Fingia que ouvia para não olhar à janela alta no exato momento em que o chão implorava sua presença... quente e rolante sobre si. Nada que não fizesse Sofia ganhar patins no Natal e sempre convencer seus irmãos de que eles deviam se libertar da idéia fixa de que homem que é homem... não empresta skate para a irmã mais nova.
Depois que se mudou para um condomínio sem ladeiras, aos 9 anos, Sofia só voltou a subir em um shape quando tinha quase 20. Primeira experiência e "Sofia, vai descer descalça?". Ah, era um do tipo downhill, só para escorregar tobogã e dar risada. Mas a ladeira não tinha fim e o freio virou o pé esquerdo.
Dois meses depois, quando a carne lá embaixo ainda era rosa, ela topou campeonato na ladeira kamikaze da vizinhança. "Mantenha o shape equilibrado", "É melhor não ir". Sofia é teimosa como qualquer menina que acha que sutiã de lycra e bordadinho é coisa de bisavó.
Joelho dobrado, olhar fixo, saia para cima (é, ainda tem essa). O shape treme, o coração gela. A velocidade é tanta que, se ela desistir e pular fora, capota que nem aluno iniciante de judô no tatame. O último pensamento foi a lembrança por não estar com blusa de alcinha.
Descontrole no pé e ombro direto ao chão. Três roladas, rosto quente de tão vizinho ao asfalto. Ergue o tronco amassado, suspende a blusa rasgada. Ombro em chamas. Uns dois minutos e ela consegue soltar a respiração. Dobra o punho e "massa, não vou precisar engessar". Levanta o corpo do chão. Sofia solta um suspiro por estar bem. Com a saia destruída, mas sorriso no canto de boca: "Ainda bem que não rasguei meu Conga". Bota o skate debaixo do braço e segue. De novo, em direção ao topo da ladeira.
6.4.04
conto
Tanto e somente
Sofia não sabia nadar. De pequena, o pai não deixava a água do mar passar do joelho. Pular de uma pedra era sonho. Cansava de implorar, por intermédio de sua mãe, que fizesse aulas de natação. Liberdade: talvez fosse esse o motivo para, com 14 anos, sair de casa mais vezes. Nada de touca ou pé-de-pato. Era difícil mostrar em casa que proteção era sinônimo de prisão. Era a única filha de pais que rezavam para que ela crescesse logo e passasse num concurso de banco da vida. Pesadelo: não imaginava sua criatividade enclausurada atrás de um guichê - "a senhora digita a senha, por favor".
Sofia cresceu, mas não aprendeu a nadar. Era raquítica e tinha cara de menina, quando já tinha permissão para voltar para casa quase de manhazinha. Sua mãe, àquela altura, havia desistido de enviar carta de reclamação ao Biotônico Fontoura. Mesmo adulta, ela nunca se atreveu a deixar a água do mar passar dos ombros. Sofria de aflição ao imaginar que sua ansiedade ia dar numa falta de ar e, quando mais precisasse, não teria o chão a seus pés.
Tudo em vão. Na primeira oportunidade que alguém incitou nadar "até aquele barquinho", ela não se lembrou da fraqueza dos seus braços e pernas. Mas tão querido foi o sorriso que a arrastou, que Sofia sabia que ele o salvaria se a água lhe chegasse à testa. Foi o tormento das tempestades de inverno aquele dia de julho. Sofia cansou rápido e quase afunda - um paradoxo para o seu peso. Só lembrava de tudo que ainda haveria de fazer longe de um guichê de banco. Força e ela gritava "espera aí, me ajuda". Foi arrastada por um fôlego só até o barquinho. Só não chorou para que não lhe viesse à cabeça a lembrança torpe da morte no meio do oceano.
Seu refúgio foi lembrar da natação. Mas, como de pequena, algo não a aproximou da piscina e de um maiô horrendo, que acentuaria ainda mais a sua falta de carne. Uma prancha e uma cordinha presa ao pulso era mais atraente. Tudo bem que ela não aprendeu a nadar, mas os velozes pés-de-pato nunca a abandonavam. Ela preferia, por vezes, esquecer de sua magreza, fraqueza, cara de menina. Mas de vez em quando aparecia alguém com cara de 15, para lembrar-lhe que já tinha 25.
Tanto e somente
Sofia não sabia nadar. De pequena, o pai não deixava a água do mar passar do joelho. Pular de uma pedra era sonho. Cansava de implorar, por intermédio de sua mãe, que fizesse aulas de natação. Liberdade: talvez fosse esse o motivo para, com 14 anos, sair de casa mais vezes. Nada de touca ou pé-de-pato. Era difícil mostrar em casa que proteção era sinônimo de prisão. Era a única filha de pais que rezavam para que ela crescesse logo e passasse num concurso de banco da vida. Pesadelo: não imaginava sua criatividade enclausurada atrás de um guichê - "a senhora digita a senha, por favor".
Sofia cresceu, mas não aprendeu a nadar. Era raquítica e tinha cara de menina, quando já tinha permissão para voltar para casa quase de manhazinha. Sua mãe, àquela altura, havia desistido de enviar carta de reclamação ao Biotônico Fontoura. Mesmo adulta, ela nunca se atreveu a deixar a água do mar passar dos ombros. Sofria de aflição ao imaginar que sua ansiedade ia dar numa falta de ar e, quando mais precisasse, não teria o chão a seus pés.
Tudo em vão. Na primeira oportunidade que alguém incitou nadar "até aquele barquinho", ela não se lembrou da fraqueza dos seus braços e pernas. Mas tão querido foi o sorriso que a arrastou, que Sofia sabia que ele o salvaria se a água lhe chegasse à testa. Foi o tormento das tempestades de inverno aquele dia de julho. Sofia cansou rápido e quase afunda - um paradoxo para o seu peso. Só lembrava de tudo que ainda haveria de fazer longe de um guichê de banco. Força e ela gritava "espera aí, me ajuda". Foi arrastada por um fôlego só até o barquinho. Só não chorou para que não lhe viesse à cabeça a lembrança torpe da morte no meio do oceano.
Seu refúgio foi lembrar da natação. Mas, como de pequena, algo não a aproximou da piscina e de um maiô horrendo, que acentuaria ainda mais a sua falta de carne. Uma prancha e uma cordinha presa ao pulso era mais atraente. Tudo bem que ela não aprendeu a nadar, mas os velozes pés-de-pato nunca a abandonavam. Ela preferia, por vezes, esquecer de sua magreza, fraqueza, cara de menina. Mas de vez em quando aparecia alguém com cara de 15, para lembrar-lhe que já tinha 25.
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