conto
Se os átomos falassem...
Cauda fluorescente cor de chuva quando está braba. Forte e respingante. Mas cor de lua refletida no brilho de água à noite. A extremidade da cauda tinha um gancho que ia ao olho e, discreto, lançava um sugo hipnótico por dentro da pupila reluzente. Pensamentos condescendentes com amebas ululantes. Elas dançavam como se abrissem diante de si uma cortina de veludo pesada e vermelha. E se enganchavam uma nas outras pelos tentáculos penetrantes, capazes de arrastar sensações de um lado a outro da cabeça delirante. Eram sinapses luminosas, como um cérebro feito de fótons. Grandes neurônios sob coqueiros adormecidos que transfiguravam a energia elétrica... tudo era feito de membrana plasmática e olhos e íris. As amebas sabiam que tinham platéia. Mas se outro qualquer chegava à janela, retraíam-se como luz comandada por dedo de gente no interruptor. Sentidos envolvidos em cápsula psicotrópica e elas saltitavam. Eletrificadas. Podia-se fechar os olhos e elas continuariam dançando, em sua louca combinação neurótica. As amebas ululantes nasciam na psique. E só mentes embebidas em gotas podiam senti-las. Não vê-las.
18.6.04
conto
Se isso e não aquilo
Era cheia de detalhes aquela lista. Papel rosa, dobrado metodicamente em oito partes, caligrafia caprichada. Jantar com Dora, mousse de maracujá, Terezinha [empadão], bermuda para Pedrinho. Lembretes do dia-a-dia. Mas não era alguém que no ônibus lembra de alguma coisa e pega um papel qualquer na bolsa para não esquecer as idéias.
Um sujeito no ônibus, que parecia sofrer com aqueles 10 graus de outono, notava que ela contava nos dedos e falava consigo mesma tudo que estava na lista. Papel rosa, linhas azuis, do armarinho Tráfico. Amassado para caber naquele bolsinho da calça jeans onde só entra um dedo.
Tudo a preocupava. Porque tudo era grande demais em sua vida. Alguém que deve ocupar a tarde se arrumando, escolhe uma entre quatro blusas e fica se olhando pela janela do ônibus, para ver se acertou na escolha. Sai de casa para comprar a revista na esquina. É que hoje é terça e sai a revista de fofocas da novela. Talvez seja isso, pois ela anota com primor o nome [com um asterisco ao lado porque aquilo ela realmente não podia esquecer].
Talvez ela nem volte para casa com tudo que anotou. Sorte se ela tiver a memória da época de escola, quando escrevia a pesca da prova e não usava. Porque decorava tudo, é bem verdade [pretexto para praticar a caligrafia e usar a sua montanha de bloquinhos de papel que, dobrados oito vezes, cabem no bolsinho da calça].
Se ela não lembrar, talvez Bê fique brava por não receber sua bijouteria. Porque o papel acabou de cair na calçada do ponto de ônibus e ela segue apressada pela avenida. Ansiosa ao desensacar a revista que acabou de comprar na banca da esquina. Com os dez reais que também estavam no pequeno e apertado bolsinho da calça.
Se isso e não aquilo
Era cheia de detalhes aquela lista. Papel rosa, dobrado metodicamente em oito partes, caligrafia caprichada. Jantar com Dora, mousse de maracujá, Terezinha [empadão], bermuda para Pedrinho. Lembretes do dia-a-dia. Mas não era alguém que no ônibus lembra de alguma coisa e pega um papel qualquer na bolsa para não esquecer as idéias.
Um sujeito no ônibus, que parecia sofrer com aqueles 10 graus de outono, notava que ela contava nos dedos e falava consigo mesma tudo que estava na lista. Papel rosa, linhas azuis, do armarinho Tráfico. Amassado para caber naquele bolsinho da calça jeans onde só entra um dedo.
Tudo a preocupava. Porque tudo era grande demais em sua vida. Alguém que deve ocupar a tarde se arrumando, escolhe uma entre quatro blusas e fica se olhando pela janela do ônibus, para ver se acertou na escolha. Sai de casa para comprar a revista na esquina. É que hoje é terça e sai a revista de fofocas da novela. Talvez seja isso, pois ela anota com primor o nome [com um asterisco ao lado porque aquilo ela realmente não podia esquecer].
Talvez ela nem volte para casa com tudo que anotou. Sorte se ela tiver a memória da época de escola, quando escrevia a pesca da prova e não usava. Porque decorava tudo, é bem verdade [pretexto para praticar a caligrafia e usar a sua montanha de bloquinhos de papel que, dobrados oito vezes, cabem no bolsinho da calça].
Se ela não lembrar, talvez Bê fique brava por não receber sua bijouteria. Porque o papel acabou de cair na calçada do ponto de ônibus e ela segue apressada pela avenida. Ansiosa ao desensacar a revista que acabou de comprar na banca da esquina. Com os dez reais que também estavam no pequeno e apertado bolsinho da calça.
Assinar:
Postagens (Atom)