29.11.04

Com a correria aqui na Folha não está sobrando tempo para respirar [o trainee acaba essa semana].
Vou de Leminski hoje. Quer dizer, fui com ele sexta e acho que coube à situação. A vida não pára... Estou bem :)


alguém parado
é sempre suspeito
de trazer como eu trago
um susto preso no peito,
um prazo, um prazer, um estrago,
um de qualquer jeito,
sujeito a ser tragado
pelo primeiro que passa

parar dá azar

26.11.04

vontade de gostar

supetão do sol saindo por trás de nuvem antes que se chegue à sombra é o mesmo que olhar que lhe pega no meio do caminho enquanto você tenta se esconder para não ter que ficar vermelho por pressão de sangue que sobe desde o pé porque vontade de gostar...



hoje, ins[ex]piração leminskiana:

"a vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem"

24.11.04

Um dos meus poetas preferidos, Fernando Pessoa, em um de seus três heterônimos, Álvaro de Campos (prefiro Alberto Caeiro). Tudo a ver com o caderno do treinamento na Folha de S.Paulo.
Esses três meses voaram!! Nunca passei tanto tempo longe de casa...


Insônia

Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.

Espera-me uma insônia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...

E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!
Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!

Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!

Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.

Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exatamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exatamente. Mas não durmo.



É isso o que sinto há umas três semanas... Viva Pessoa!

19.11.04

Terence Blanchard: trompetista norte-americano, inspiração para o poemeto abaixo.

Esse cara é superfera, tem 42 anos e está no jazz há mais de 20. Levou o Grammy 2002 de Artista, Trompetista e Álbum do Ano por Let’s Get Lost (8º disco). Desde o final dos anos 80 vem fazendo trilhas sonoras para filmes, como para "25th hour" (2002), de Spike Lee, lançado no Brasil como "A Última Noite" (com Edward Norton). O 10º e mais novo disco dele, "Bounce", foi lançado pela Blue Note (www.bluenote.com) no final do ano passado. Vale o saque!

Agora é só apagar as luzes, botar mais uma pedra de gelo no copo e aumentar o volume.



vento que afaga os cabelos
farfalha as ventas
desce correndo
tremelica as pernas

rubor de curto-circuito
como timidez no 1º encontro
inspira, o tremor some
expira e ele regozija

sinestesia em estado puro
distensão do mundo
... é jazz


18.11.04

rabiscos curto(s) rabiscos curto(s) rabiscos...



pipa
pilha
apita
adia
ah, ia...




depena
desdenha
se senha,
condena
que pena...

minha mãe sempre me falou para eu me cuidar...



demanda
grande

infla
incha
esguicha
salpica
triplica

ego

17.11.04

a provocação que arranha meus pensamentos
me faz cheirar vermelho
umedecer o olhar
recrudescer os sentimentos

faísca que sai de furtiva tensão
queima as bordas e decola
assim quero que aconteça
amém



a ilusão é rococó e idiota!

16.11.04

"one more cup of coffee for i go"
dylan


me diga se preciso ir
me deixar de molho por dentro
até que apareça outra voz
que acaricie minha pele
e olhos que fustiguem meus lábios
para sentir sem querer
e dizer sem pensar
De Horácio (65-8 a.C.):

"Carpe diem, nec minimum credula postero"
(aproveite o dia, não confie no amanhã)


Ontem comecei a ler "O Lugar do Escritor", de Eder Chiodetto (ex-editor de fotografia da Folha de S.Paulo). Refresco de fotografia na minha mente, para me inspirar e me criticar. O trecho acima foi citado no livro pela escritora Patrícia Melo.

... adotei tanto o discurso do carpe diem que às vezes acho que o mundo, para combinar comigo, deveria ser assim também. Se sozinha, acho que talvez esteja precisando apenas de mim, curtir as coisas sozinhas, refletir, fazer falta, coisas assim... meio desanimada com a vida hoje de manhã, é verdade.

10.11.04

ai, cortei demais meu cabelo hoje... saco, fiquei meio mal-humorada


movimento

as nuvens conspiram
torre roça as costas
porque de frente para o infinito
é mais fácil devanear

se amanhã chuva
lágrimas na noite anterior
porque elas amam
e se calam
mas, se falam,
trovões

(out/2004)

4.11.04

um rabisco antigo do meu caderninho, de agosto. estava voltando de Sampa a Salvador (para depois vir para cá morar).a repetição é meio proposital porque estou sentindo a mesma coisa hoje... e pensando na mesma fucking figura... saco!





inferno astral
encontro casual
se há algum mal
deixe aqui
... e se vá

3.11.04

e um de hoje, às 8 da manhã, com a cabeça doendo da noite alcoólica anterior...


o escuro de dentro da gente fica irreconhecível quando estamos perdendo. um pouco mais de gelo no meu co(r)po e eu afundo. quando iscar, cuidado com as bordas frágeis e inacabadas. nem por dentro está completo, mudamos todos os dias.
se tenho um medo, é de cair durante o vôo. porque de voar eu até gosto e quero e zelo e prezo... borrifa um pouco de sonho aqui no meu ouvido que agora quero dormir. talvez pesadelo se o escuro de dentro de mim insistir em ser reconhecido. então esteja macio ao meu lado quando eu abrir os olhos e respirar azul.
sonhar acordado é bom... esse é de outubro/04


noite ardida
manhã
cama vazia
meia no pé, cabelo molhado, café

zanzar dentro de si
quando não se tem em que esbarrar
é um saco
deixa eu tirar esses rabiscos do meu caderninho, que tem mais chance de virar pó que a internet...


nasce o poste
cresce a luz
morre a sombra

...

Force
Forte
Corte
Torce
Sorte

...

aguça
agulha
astuta
fagulha

esse aqui é a continuação do segundo abaixo. escrevi umas duas horas depois do primeiro. tinha acabado de brigar com uma figura e quebrado um copo. baforadas do sofá no meio da escuridão, com a sombra no teto das minhas fotos coladas no vidro da varanda... para variar, Ben Harper e aquele sofrimento apaixonado que só ele tem.


"meia noite e pouco"

cacos de mercúrio
empurra e junta
e liga e cola
um e muitos

se vermelho ou prata
ponto de vista
quebra, cata, solda
está novo
só se vontade
ou se saudade

tempo eu não pergunto porquê
dissolúvel constante
entorpecer no cinza
e boa noite agora

estava dando uma olhada no meu fotolog e vi um poemeto de que gosto muito... de junho desse ano. estava toda apaixonadinha nessa época, haha, mas a vida é mesmo assim. como diria o fofo do john mcrea, do cake, citando nancy sinatra: "if you really love me say yes. but if you don't, confess. and please don't tell me perhaps perhaps perhaps"...


saudade é como porta
que quando torta
não abre nem fecha
nem deixa
sopro passar

o remédio é aquela
que com jeito e coragem
empurra de um lado e abre
e aí já não é mais saudade
é vontade de gostar...

voltando à ativa desse negócio aqui. ando tão inspirada em Sampa que dia ou outro escrevo algumas coisas, rabiscos pensando em alguém ali, em mim aqui, em alguma coisa no céu...
este aí foi de 15 de outubro, olhando para o infinito cinza que é o céu de São Paulo à noite. é incrível como a luminosidade da urbe se reflete nas partículas de poeira e névoa, tornando a noite muito clara... a vista da minha varanda é bonita.

"22h e pouco"

cápsula branca
noite e quase vôo
toque desperta
REM acordado se despedaça

se é para pular
que seja macio
e quente e úmido

quando voltar de lá
então frio e saudade
para lembrar sem voltar
e esquecer sem perder

...

ontem tive uma conversa maravilhosa com minha guru Iansã sobre meu projeto da faculdade. tudo blue, Ian é uma máquina de idéias. lovia!